terça-feira, 25 de setembro de 2012

Igreja evangélica demoniza Cosme e Damião, mas vai distribuir guloseimas


Bruno Cunha
bruno.silva@extra.inf.br

Igreja evangélica demoniza Cosme e Damião, mas vai distribuir guloseimas

Um grupo de evangélicos está tirando doce de criança com uma mão para dar com a outra. A troca acontece em pleno Dia de São Cosme e São Damião, comemorado em 27 de setembro na cultura popular. E dentro da igreja Projeto Vida Nova, na Vila da Penha, onde os pastores “convidam” mil meninas e meninos a entregar-lhes os saquinhos que conseguiram na rua para receber outros, “abençoados por Deus”.

- É apenas um convite. Geralmente, os saquinhos são queimados, representando fim de todo o mal que, por ventura, foi direcionado às crianças - avisa o pastor Isael Teixeira.

Ele conta que geleia, pipoca doce, bananada e pirulito chegam às mãos de oito a dez mil crianças, nos 70 templos da unidade, ao lado de uma surpresa: a Bíblia. É para comer “orando”.

- A gente pede para trocar o doce abençoado (da igreja) pelo amaldiçoado. Nosso projeto é um meio de trazer as crianças (que não são evangélicas) para o bem, livrando-as do mal. Se a criança come doce (de rua), pode plantar uma semente dentro dela. Eles (outros religiosos) invocam os espíritos para que entrem nos doces - diz.



A entrega dos sacos gospel é promovida na igreja. Minha mãe foi espírita e nós vivíamos doentes. Ela fazia mesa de doces de Cosme e Damião e chamava sete crianças para comê-los. Hoje, acredito que a função disso era transferir a nossa doença para elas.



Outra casa de Deus onde também há entrega de doces é a católica Paróquia da Ressureição, no Arpoador. Mas algumas crianças atendidas lá ouviram que os saquinhos seriam do diabo.

- Algumas disseram que a professora falou isso. Esse fanatismo de alguns evangélicos pode nos levar a um extremismo. Incutem o medo nas crianças ao dizer que o doce é do diabo. E isso não é de Deus - diz o padre José Roberto Devellard.

Psicóloga especializada em crianças, Katia Campbell diz que as polêmicas religiosas não conseguem competir com o verdadeiro interesse dos pequenos.

- As crianças não entendem isso. Elas só querem o doce.

Intolerância assusta

SurpresaO padre José Roberto Devellard, da Paróquia da Ressurreição, no Arpoador, conta que ficou impressionado quando uma menina, sem saber quem ele é, lhe disse que os saquinhos de doce não são de Deus.

RecadoNo lugar da foto dos santos gêmeos, o saco de doces do Projeto Vida Nova, na Vila da Penha, estampa a frase: “Jesus, o único protetor das crianças”.

elas chegam em casa com muitos suspiros. E até com o coração na mão. Mas só os de doce de abóbora e que acompanham bananada, maria-mole e pirulito. Essa é a recompensa almejada pelas crianças que passam o dia de São Cosme e São Damião “correndo atrás de doce” nas ruas.

Para a alegria de meninas e meninos, a distribuição dos saquinhos, recheados de desejos infantis, ultrapassa o dia 27 de setembro, quando os santos gêmeos são festejados na cultura popular.



Na Tenda Espírita Caboclo Flecheiro, em Santíssimo, por exemplo, a criançada vai receber nada menos do que 850 sacos de doce no dia 29, um sábado, quando será realizada a festa de São Cosme, São Damião e Doum.

- Doum, representado na imagem menor, entre as imagens dos santos gêmeos, não é reconhecido pela igreja católica. Ele é um espírito que trabalha junto com Cosme e Damião - explica o pai Marco Xavier, dirigente do terreiro.

De acordo com ele, a festa na casa de umbanda é oferecida a todas as crianças, sejam elas encarnadas ou não.

- Cosme, Damião e Doum são os responsáveis por uma linha de trabalho da Umbanda, que a gente chama de Ibeiji. Eles são espíritos que se manifestam em forma de crianças e, com humildade, atuam em áreas diversas - acrescenta pai Marco.



Os umbandistas Rafael Sant’anna e Patricia Freitas Foto: Darlei Marinho / Extra

Festa das crianças só acaba no fim do dia

A maratona de distribuição de doces, recheados de fé, começará cedo na Tenda Espírita Caboclo Flecheiro, em Santíssimo. Segundo pai Marco Xavier, às 10h do dia 29, já tem muita criança chegando por lá. São os ibeijis (espíritos infantis), festejados ao som dos atabaques.

- Nós distribuímos doces como forma de agradecimento a eles. E também para levar alegria às crianças. E não existe doce trabalhado: todo doce doado sai direto da caixa para as mãos da criançada - explica Marco Xavier.



As imagens das crianças Foto: Darlei Marinho / Extra

A festividade religiosa será encerrada às 13h. Dali em diante, começará a comemoração terrena. Às 14h, é servida a tradicional mesa de doces para as crianças de Santíssimo, com direito a maçã do amor, paçocas e bolos.

O festival de delícias continua às 15h, com a distribuição de centenas de saquinhos de doce. E de cartão, entregue às crianças com antecedência.

Promessas cumpridas na Zona Oeste

Os momentos de amargura da aposentada Regina Célia de Barros, de 60 anos, acabaram com uma receita caseira. E que misturava xícaras de farinha, ovos e manteiga, entre outros ingredientes. Abalada com o câncer do pai, Regina encontrou a cura para ele ao tirar um bolo do forno.

A aposentada Regina Célia em sua mesa: bolo e docinhos feitos por ela Foto: Fernanda Dias / Extra

- Quando o médico disse que ele só tinha seis meses de vida eu quis atravessar a Avenida Brasil na frente dos carros. Mas parei na porta do Hospital de Bonsucesso e prometi às crianças (espirituais) que faria uma festa todo ano enquanto ele tivesse vida. Mas tudo deveria ser feito em casa, por mim. Meu pai viveu 11 anos e os exames comprovaram a cura - conta Regina Célia.

Moradora de Padre Miguel, ela continuou a fazer bolo, brigadeiro, docinho de coco e de gelatina cor de rosa, mesmo com a morte do pai. É que logo no ano seguinte, Regina teve um problema sério, que prefere não comentar.

Desde então, continua a forrar a toalha na mesa para servir os doces que prepara em qualquer época do ano, conforme a intuição manda. Mas ela também faz algo para as crianças no dia 27 de setembro.



O professor Julio Cesar Lima só distribui os doces no dia 26 de setembro Foto: Fernanda Dias / Extra

Morador de Realengo, o professor Julio Cesar Lima, de 57 anos, não distribui doces na mesma data. Católico, ele só entrega os cerca de 300 saquinhos no dia 26, quando os santos são festejados na igreja.

- Tive dengue na primeira epidemia do Rio. Com dores abdominais por três dias, fiz a promessa, fui dormir à tarde e acordei à noite sem dor - relata Julio Cesar.

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